Eduardo Meirelles é autor da biografia Lucélia Santos Coragem para lutar

Um dos destaques do Festival.  Eduardo, tem 26 anos, é formado em jornalismo pela UnB, Universidade de Brasília e diz que o livro foi feito para dialogar com as novas gerações 

FLIV-RIO.  Como você avalia essa fase de pesquisa, de depoimentos e a convivência com Lucélia até finalizar esse livro? Conte um pouco desse processo.

A biografia nasceu como meu projeto de conclusão de curso em jornalismo na UnB (Universidade de Brasília), ainda vivíamos o período de isolamento social por conta da pandemia de covid-19 e desenvolvemos diversos trabalhos juntos como a campanha SOS Xavante, as lives que fazíamos semanalmente por meio da revista Xapuri, o podcast que apresentamos juntos, o “Seguir Esperneando”, e também, pelo trabalho que fizemos enquanto ela se preparava para a peça “Vozes da Floresta – Chico Mendes Vive!”. Todo esse convívio profissional, mesmo que por distância física, me fez conhecer cada vez mais de perto a Lucélia militante, ativista. Eu tenho 26 anos, nasci em 1996, nunca cheguei a assistir a atriz Lucélia na televisão. Aquela mulher que se mostrava ao meu imaginário, era a Lucélia política, aquele ser político potente. Então eu ia fazendo pesquisas via internet, perguntava uma coisa aqui, outra ali, até que depois de tomar a segunda dose da vacina, consegui, finalmente, viajar ao Rio de Janeiro e conhecê-la pessoalmente. Foi uma sensação quase de reencontro com uma velha amiga, alguém que tinha a impressão de conhecer há anos, desde criancinha. A Lucélia sempre muito gentil comigo, me acolheu em sua casa, abriu as portas de todo seu acervo e disse “tem tudo aí, pesquise”. Eu me debrucei por semanas naquela pilha de fotos, artigos de jornais, e inclusive, encontrei situações que considerei tão significativas politicamente falando, que para ela era tão natural, que não tinha uma certa “consciência” do quanto ela foi importante para aquilo, como na situação dos primeiros casos de HIV e Aids no Brasil, quando era um tabu, Lucélia foi precursora na defesa da população soropositiva, ela defendeu, inclusive, que as profissionais do sexo tivessem seus direitos garantidos e protegidos na Constituinte, muitas pautas importantíssimas. Enfim, como são 40 anos, eu também optei por colher depoimentos, e o livro traz muitos, são memórias de pessoas, velhos conhecidos, que conviveram com ela em determinadas situações, e trouxeram um ponto de vista de quem presenciou e viveu de perto algumas das situações marcantes. Eu telefonava, gravava, entrevistava, transcrevia, por vezes, me encaminhavam o texto escrito. Foi um trabalho muito interessante de fazer. O Aladim Miguel, que administra e cuida do site Arquivo Lucélia Santos, me ajudou muito nessa etapa de pesquisa. 

A Lucélia sempre foi muito solícita e sempre acreditou em mim. Também sou muito grato a essa oportunidade e a retribuí colocando muita seriedade, dedicação e muito amor no que fiz. Esse foi o ingrediente principal no desenvolvimento deste trabalho – Amor.

FLIV-RIO Em biografias autorizadas, geralmente o autor primeiro se encantar pela vida da protagonista, foi o que aconteceu contigo no caso de Lucélia?  Quando você chegou à conclusão que era ela a sua fonte de inspiração para o livro?? 

Conheci a Lucélia no auge da pandemia da Covid-19, por meio da campanha SOS Xavante, criada para arrecadar doações e insumos hospitalares para aquele povo indígena que sofria com a negligência do Estado. A jornalista Zezé Weiss foi quem nos apresentou, e a partir dali, começamos a trabalhar juntos nesta causa. A campanha foi um sucesso, a meta era arrecadar R$ 250 mil e chegamos quase nos R$ 5 milhões. A Lucélia teve papel fundamental nisso. ela ligou para Deus e o mundo, mobilizou pessoas como Dira Paes, Mateus Solano, Bete Mendes, Paulo Betti, Christiane Torloni, Dráuzio Varella, Miguel Nicolelis, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Osmar Prado, Zezé Motta, e diversos outros nomes. Aquilo me fascinou!  Lucélia sempre se mostrou uma potência, um verdadeiro furacão, ela não parava nem por um segundo. Eu só passei a conhecê-la por conta da campanha que desenvolvemos juntos. Ali, pesquisando um pouco mais sobre a vida dela, foi que eu me dei conta que os meus colegas do movimento estudantil, as novas gerações, deveriam conhecer quem era a Lucélia, a Lucélia por trás dos papéis de sucesso que ela interpretou em novelas. Foi quando, por admiração, propus escrever a biografia focada em sua trajetória política.

FLIV-RIO O livro está em pré-lançamento e já é um sucesso. Pelo interesse das pessoas vira Best Seller.  Pode dar um spoiler de leve de uma passagem curiosa da vida da nossa querida atriz e ativista e sua eterna personagem escrava Isaura?

Uma situação muito curiosa e interessante disso tudo, foi ver como a Lucélia era reconhecida e amada internacionalmente. Como relatou o próprio Antônio Grassi, ela foi a primeira artista brasileira a experienciar o sucesso das telenovelas no exterior. Na China ela é um fenômeno. Quase todos os presidentes da República brasileira queriam carregar Lucélia junto da comitiva oficial tamanho o prestígio internacional que ela trouxe à imagem do Brasil. O presidente Fernando Henrique Cardoso explorou isso muito bem. Logo após a Revolução Cultural na China, quando o país começava a construir grandes acordos comerciais e culturais com outros países, Lucélia foi junto da comitiva oficial da presidência para agir como uma “facilitadora” das negociações que FHC faria. O então presidente da China, Jiang Zemin, que era um fã de carteirinha da Escrava Isaura, quebrou pela primeira vez na história o rígido protocolo chinês quando se deu de frente com “Isola”, ele sorria, falava e apontava para ela, “Isola, Isola”, como pronunciam Isaura em mandarim. Ele chamou sua esposa para saudar a “Isola”. Foi um sucesso. FHC conseguiu fechar todos os acordos que se propôs a fazer, e o Brasil conseguiu o voto favorável da China para integrar o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

FLIV-RIO Você faz uma sessão de autógrafos do Livro no FLIV-RIO, o Festival do Livro Vermelho. É um encontro com muita gente jovem, como você, que se engaja no campo progressista, que está buscando respostas para entender o momento político em que vivemos. O que você espera trocar com estes leitores?

Hoje, o meu campo de atuação como militante é o meio ambiente, povos indígenas, e o lawfare (a lei como arma de guerra para deslegitimar e aniquilar inimigos políticos). Eu integro o projeto Lawfare Nunca Mais. Estas são as pautas que eu abracei após fechar meu ciclo na universidade quando militava em defesa dos estudantes de baixa renda na União Nacional dos Estudantes e dentro do movimento estudantil da UnB. Quero utilizar essa experiência de encontrar leitores jovens para ter, até mesmo, um feedback do método que propus para escrever a biografia política da Lucélia. Sei da realidade brasileira, e infelizmente, a cada ano que passa, nossos jovens estão cada vez menos interessados em leituras de livros complexos, longos, com termos que necessitem de pesquisa em dicionário. Ou seja, aquela coisa mais erudita. Academicista, que por vezes, têm um preconceito com as gerações que surgem e não se abrem ao novo. Estacionam. O que propus foi um livro com uma história narrada de forma concisa, direta, com bastante imagens e depoimentos, algo como uma linguagem próxima às redes sociais, à juventude, mas sem perder em nenhum momento importância, seriedade ou significância. Sem querer desrespeitar ou impor uma nova forma de escrever livros e biografias. Inclusive, em minha busca por editoras, levei muitos “nãos” pelo método que propus, de utilizar imagens, textos mais curtos. Mas felizmente tive o prazer de encontrar a Editora Telha, que é uma editora com um pensamento mais moderno, e aceitou o desafio, acreditou no meu método e meu deu essa chance valiosa de contar a história de uma mulher gigante como a Lucélia, para a minha, e as próximas gerações, de um modo moderno, direto, com aquela mesclada de “fatos e fotos”. Esse livro foi escrito pensando nos leitores jovens.